Depois queixem-se.
Uma organização política de direita manifestou-se, há dias, pelas ruas de Lisboa. Deixando de lado a produção que esse facto suscitou por parte do comentariado profissional e da comunicação social (de conteúdo largamente fácil de antever, dadas as orientações dominantes em mais de quatro décadas de intellingentsia e jornalismo e, por estes dias, a compra de fidelidades ou submissões a troco da sobrevivência), leio por aqui - até vindas de pessoas que aparentam usualmente moderação e bom senso no que escrevem - declarações que, ao mais puro estilo do panfletarismo revolucionário, optam pela liminar desconsideração de quem a organizou e nela esteve presente. A coisa passa por exemplo pelo uso do nome em diminutivo claramente menorizador, à posição da máscara equiparada a peça de estética capilar, ao braço captado - em breves segundos e em sequência que como é óbvio se omite - em posição comprometedora à luz do puritanismo presente, à presença de certa figura histriónica e dotada da densidade apropriada para o sucesso, consta, no facebook (que as haja por todo o lado e a propósito de tudo, não parece importar no destaque a esta dado). À forma, enfim. Curiosamente do conteúdo e sua crítica - menos ainda serena e livre dos chavões do estilo - nada li. Não deve ser preciso: como não se enquadram no arco político consagrado, não prestam. Porque não prestam.
E se calhar não prestam. Ainda assim recordo há uns anos, quando por aí surgiu, ouvir gente afirmar que jamais votaria no BE; mas que era útil que ganhasse espaço na política portuguesa, pois serviria como espécie de consciência, de grilinho falante. Uma entidade muito perigosa se chegasse ao poder, mas de resto útil, se contida, para revelar na praça pública os deslizes, fraquezas, tentações e injustiças de um regime natural e fatalmente dado a vícios veniais e nepotistas. Do PC diziam o mesmo, reconhecendo-lhe alguns, sobre isso, ainda a "gravitas" de um passado sempre credor de respeito. O horror associado ao passado - e ainda presente - de onde provinham essas organizações, nunca por elas explicitamente rejeitado e recorrentemente invocado com orgulho (vejam-se por exemplo as coreografias e adereços usuais no solene evento litúrgico de cada Setembro), o desprezo professado por alguns seus líderes, e já no tempo das nossas vidas, da nossa democracia, pela democracia de tipo ocidental não parecia causar a essas pessoas o menor arrepio.
A estes então, nada a dizer. Ou o que haja a dizer sê-lo-á sempre no pressuposto de uma sua legitimidade, bondade, imprescindibilidade democrática inatacáveis. Deles se discordando, defender-se-á sempre o seu direito a existir e difundir as suas ideias. É a democracia, afirmam. Mas que surja uma voz recíproca, do lado alegadamente oposto do tal centrão (alegadamente e carecendo de fundamento: não parece que nela se advogue ou conviva tranquila, sonora e orgulhosamente com passados de regimes totalitários e de extermínio revolucionário de massas), provoca de imediato um sonoríssimo toque a rebate, um rasgar de vestes incontido, enérgicos protestos que vão desde o anúncio de uma invasão de bárbaros ao recurso ao ridículo de baixo coturno. É, a priori e sem mais, nazismo e fascismo. É extrema-direita e só a esquerda o pode ser e propagá-lo com orgulho e tranquila na protecção estatal.
Por que se chegou aqui, onde falhou a política - falharam os políticos - dita tradicional, ela e os seus valores, de tão variável aplicação tantas vezes, e que muito democraticamente pretendem direito de exclusividade (cedendo convenientemente à esquerda, claro) nas boas consciências, entrando em histeria quando alguém ousa questionar o estado de coisas, e que tradicionalmente nos tem pastoreado como se sabe? Como recuperar a confiança nessa polílitica tradicional, nos herdeiros de infelizmente irrepetíveis (está desgraçadamente visto) estadistas da reconstrução do pós-guerra? Isso parece questão menor, uma ociosidade sem interesse.
Importante é travar esta gente, este incómodo, que não alinha nas "causas" do momento. Depois queixem-se.