Há, então, um documento - parece que precioso - chamado Certificado Digital Covid da UE. A sua preparação e disponiblização foi anunciada e saudada como uma grande medida no sentido da recuperação, por quem dele fosse titular, de uma ansiada liberdade. E isso com o paternal e extremoso reconhecimento do poder de turno. Desse poder - o presentemente de turno - a coisa até se percebe: a criação de uma coisa que substantivamente é mais um passaporte; na verdade é até um passaporte interno (mais um documento, mais um papel, mais uma burocracia, requerido para se fazer coisas - como exercer a liberdade de circulação - que até há algum tempo se poderiam fazer sem ter que prestar contas adicionais a um qualquer "grande-irmão"), só pode povoar sonhos felizes de um governo e sua clientela que se vão radicalizando à esquerda.
Mas, concluído (concluído até ver, claro, com base na verdade de hoje) o processo de vacinação, lá se foi ao "site" do SNS seguir os passos necessários para obter o tal certificado. Foi fácil e foi rápido. Não sei se o será para um cidadão não familiarizado minimamente com computadores, internet e modernos telemóveis, já que a sua obtenção pressupõe tal familiarização e a posse - pelo menos o fácil acesso - de tudo isso. Mas como, presumir-se-á, quem não preencha esses requisitos conta pouco, ou viaja pouco, ou frequenta pouco esses locais de cuja frequência há saudades, ou tudo isso em simultâneo, a coisa é irrelevante e manifestamente não parece inquietar quem manda, quem opina e quem noticia.
Ora o texto do certificado digital inicia-se assim: "Este certificado não é um documento de viagem. (...)". De facto aquela frasezinha inicial dá para tudo: a sua aceitação irrestrita, a sua aceitação com condições associadas, a sua pura e simples rejeição. Não garante o que seja; fundamentalmente desresponsabiliza quem o emita quanto à concretização ou não das garantias que, tão triunfalmente, se anunciou que ele traria e não permite ao seu titular qualquer presunção do que seja. Para já e pelo menos, na Alemanha não dispensa a quarentena. E quanto a deslocações dentro do território nacional, também afinal parece que de bem pouco - se para alguma coisa - serve: não pelo menos, por exemplo e como já anunciado, para obviar ao recolher obrigatório que aí vem de regresso.
Ou seja, tivemos por aí, por uns dias (ainda há pouco, num noticiário televisivo), o louvor entusiástico da coisa: na sua abnegada gestação e na sua disponibilização. Coisa que parece afinal valer bem pouco.
Mais um sinal de que os três "D" de outros tempos - e que se sucederam aos famosos três "F" - estão de facto de volta. Mas agora, dir-se-ia, como Desrespeito, Demagogia, Desorientação.