Da radiação cósmica e da receita contra-ordenacional e fiscal.
Então as companhias de aviação são irresponsáveis, diz o sr. primeiro-ministro e ficamos nós a saber (é um tipo de negócio em que fica bem malhar - "malhar" é coisa aliás da predilecção dos nossos governantes, parte pelo menos, como se sabe -, por estes dias; é politicamente correcto, ambientalmente consciencioso, enfim). E vai de se lhes atirar com grossas coimas e ameaças de impedimento de operação em Portugal, caso depositem por cá passageiros sem teste ou certificado ou ambos, ou lá o que em dado momento se resolva exigir. Entretanto, que saiba, por meios terrestres continua a ser possível passar de e para Espanha sem o menor controlo. Ou seja, o risco para a saúde pública nada tem a ver com a Covid e deve ser afinal causado pelas radiações cósmicas que abundam lá por cima e que, por felicíssima coincidência, os testes Covid detectarão e cujos males a recuperação da doença evitará e as vacinas evitarão também (ou evitarão apenas na forma mais grave, ou afinal não evitam de todo, ou evitam por menos tempo do que se pensava; já não se percebe e deve estar - está, sem a menor dúvida - muito bem assim).
Em todo o caso estranha-se que o sr. secretário de estado para os assuntos fiscais (creio ser a designação) tenha deixado passar esta oportunidade de incluir entre as medidas agora decididas a exigência de um teste Covid a quem regressa de Espanha depois de atestar o carro ou comprar a bilha de gás. O teste custa dinheiro, presumivelmente anula a poupança de ir abastecer ao outro lado da fronteira e, se comprado cá, até rende, ele próprio, receita fiscal para o escrupulosíssimo estado português que tão sabiamente administra o dinheiro que gentilmente nos confisca a cada segundo da nossa existência.
Adenda (13:40). Devo corrigir-me: leio agora (só agora, mea culpa, quando a coisa foi feita ainda ontem e anunciada, pelo menos no insuspeito "Público", perto das 23:00) que o governo, em comunicado posterior ao anúncio das medidas, anunciou estender "com as necessárias adaptações" (quem será então, com voz grossa, nesse caso crismado de irresponsável e ameaçado com coimas e interdições de operação?) a exigência de teste para a entrada nas fronteiras terrestres, marítimas e fluviais.
O cerco está pois montado. No papel e para os ouvidos do povo, porque - pelo menos nas fronteiras aéreas, por cá, ou esse controlo será feito por assaz tolerante amostragem, ou teremos muito provavelmente o caos (ainda mais caos) nos aeroportos. Gente do SEF, ou quem lhe sucede, não há que chegue, é verdade consagrada, e os tais seguranças privados, a fazer-se como deve ser a sua formação e certificação em termos de segurança (um aeroporto ainda vai sendo tido como área sensível), talvez estejam disponíveis quando a "vaga" acabar.
Mas que interessa isso? Que seja o caos que é o habitual. O estado decide, incumpre e volta a incumprir e nada acontece. Não se acusa seguramente de irresponsável, não paga coimas e até ver ninguém decreta a proibição da sua operação.