Lembro-me de o fazer, adolescente, em casa de meus pais, o volume do som baixo e, pelo sim pelo não, indo espreitar amiúde o patamar da escada. Não foi em eras remotas, onde tal prática até seria - será - consagradamente tomada como arriscado acto de resistência. Foi nos tempos insanos, criminosos e perfeitamente impunes do PREC. No tão cantado "Portugal de Abril", assim mandava a prudência escutar as emissões da BBC. Na capital e sua "cintura", pelo menos.
A prática estará em boa medida em desuso: os tempos são outros e também a tecnologia, largamente substituída pelos inúmeros canais de televisão e pela banalização e facilidade da internet e dos sucessivos "G" que por estes dias nos anunciam como colocando-nos instantaneamente em todo o mundo, ou todo o mundo no ecrã do nosso telemóvel. Mas essa facilidade é frágil, muito frágil como bem se sabe e os tempos recentes demonstram copiosamente. Os últimos dias, as últimas horas, aconselham talvez a que se compre um rádio-receptor de ondas curtas. Não vá o diabo tecê-las.
A liberdade noticiosa, a substância com que se forme uma opinião, pode vir a passar de novo, em grau não desprezível, por dispor de tecnologia analógica, quase centenária nos seus fundamentos e escutar, em maior ou menor clandestinidade (ou até nenhuma), distantes emissões de onda curta.
E pode ser apenas meu pessimismo.