Só pode ser isso.
Por esta hora, na RTP3, um cavalheiro perora, com o tom de quem traz consigo a Verdade, sobre a solução para o caos de tráfego na cidade. Lisboa será a cidade em causa, mas é de crer que poderá ser qualquer outra. Insiste que a solução está na bicicleta (e dificilmente, assim, poderia ser mais politicamente correcto, o cavalheiro em questão). O inimigo, claro, é o automóvel. E não necessariamente usando combustíveis fosséis; antes o automóvel (nem que, por absurdo, a pedais). O cavalheiro em causa incentiva as juntas de freguesia a paulatinamente, e à razão de um lugar por mês - creio ter compreendido correctamente -, eliminarem espaços de estacionamento, trocando-o por espaço para parquear bicicletas.
Os restantes cavalheiros (três, parece-me) e a moderadora, seguem o mesmo dogma da diabolização do automóvel. O automóvel privado, é de crer, claro, não decerto o "oficial"; haverá sempre quem tenha a dignidade para usar automóvel (e no caso sem lhe suportar os custos: será "de função").
Muito bem. Durante décadas, décadas e décadas - e a coisa é absolutamente actual - o Lisboeta, o natural da cidade ou nela trabalhando (e o Portuense, e...), foi afastado da cidade onde o custo da habitação, comprada ou arrendada, é o que se sabe (e ao alcance de reformados de países bem mais felizes ou de gente cheia de dinheiro proveniente do um tal país "Gold" que buscas insanas me não permitiram ainda localizar, mas que há-de ser - só pode - uma terra de felicidade e abundância). Foi afastado da cidade, empurrado para dormitórios deprimentes - sendo meigo nas palavras - mas na cidade tem que trabalhar, todos os dias. Tem uma rede de transportes públicos decente, minimamente decente? Não, não tem. Mas tem que vir à cidade todos os dias? Sim, tem.
Então, venha de bicicleta. No caso de Lisboa, uma cidade (região) plana, aliás, e de clima ameníssimo para tal, venha de bicicleta de Sintra, de Queluz, da Amadora, de Almada, de Alcochete, do Montijo, de Loures, de Odivelas, de Alverca, de Vila Franca de Xira, de... Venha de "fatinho e gravata", depois de deixar os filhos onde os tiver que deixar (e, depois, de os recolher). Venha e volte de bicicleta!
O(s) cavalheiro(s) e a moderadora residirão, é de crer, em habitação com estacionamento privativo e trabalharão em local com estacionamento igualmente assegurado e a custo nulo ou quase. Membros de uma elite a quem tudo é permitido dizer, aquela que de há muito nos vem revelando a cada noite a solução para os males da Pátria (que entretanto paulatinamente se agravam), não saberão - ou será memória já distante, esfumada - o que é depender diariamente de transportes públicos tal como oferecidos em regra neste país. E o que perante isso faz, quem o puder fazer. Decerto serão "especialistas", "peritos" enfim. Por isso ocupam uma emissão televisiva em horário nobre.
Só pode ser isso.