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Sobrevive-se

Sobrevive-se

27
Jul22

Só pode ser isso.

Costa

Por esta hora, na RTP3, um cavalheiro perora, com o tom de quem traz consigo a Verdade, sobre a solução para o caos de tráfego na cidade. Lisboa será a cidade em causa, mas é de crer que poderá ser qualquer outra. Insiste que a solução está na bicicleta (e dificilmente, assim, poderia ser mais politicamente correcto, o cavalheiro em questão). O inimigo, claro, é o automóvel. E não necessariamente usando combustíveis fosséis; antes o automóvel (nem que, por absurdo, a pedais). O cavalheiro em causa incentiva as juntas de freguesia a paulatinamente, e à razão de um lugar por mês - creio ter compreendido correctamente -, eliminarem espaços de estacionamento, trocando-o por espaço para parquear bicicletas. 

Os restantes cavalheiros (três, parece-me) e a moderadora, seguem o mesmo dogma da diabolização do automóvel. O automóvel privado, é de crer, claro, não decerto o "oficial"; haverá sempre quem tenha a dignidade para usar automóvel (e no caso sem lhe suportar os custos: será "de função").

Muito bem. Durante décadas, décadas e décadas - e a coisa é absolutamente actual - o Lisboeta, o natural da cidade ou nela trabalhando (e o Portuense, e...), foi afastado da cidade onde o custo da habitação, comprada ou arrendada, é o que se sabe (e ao alcance de reformados de países bem mais felizes ou de gente cheia de dinheiro proveniente do um tal país "Gold" que buscas insanas me não permitiram ainda localizar, mas que há-de ser - só pode - uma terra de felicidade e abundância). Foi afastado da cidade, empurrado para dormitórios deprimentes - sendo meigo nas palavras - mas na cidade tem que trabalhar, todos os dias. Tem uma rede de transportes públicos decente, minimamente decente? Não, não tem. Mas tem que vir à cidade todos os dias? Sim, tem.

Então, venha de bicicleta. No caso de Lisboa, uma cidade (região) plana, aliás, e de clima ameníssimo para tal, venha de bicicleta de Sintra, de Queluz, da Amadora, de Almada, de Alcochete, do Montijo, de Loures, de Odivelas, de Alverca, de Vila Franca de Xira, de... Venha de "fatinho e gravata", depois de deixar os filhos onde os tiver que deixar (e, depois, de os recolher). Venha e volte de bicicleta!

O(s) cavalheiro(s) e a moderadora residirão, é de crer, em habitação com estacionamento privativo e trabalharão em local com estacionamento igualmente assegurado e a custo nulo ou quase. Membros de uma elite a quem tudo é permitido dizer, aquela que de há muito nos vem revelando a cada noite a solução para os males da Pátria (que entretanto paulatinamente se agravam), não saberão - ou será memória já distante, esfumada - o que é depender diariamente de transportes públicos tal como oferecidos em regra neste país. E o que perante isso faz, quem o puder fazer. Decerto serão "especialistas", "peritos" enfim. Por isso ocupam uma emissão televisiva em horário nobre.

Só pode ser isso.

26
Jul22

Nada de novo, afinal.

Costa

Um ente, sendo tolerante nos termos, de origem brasileira, expectora hoje, na edição "online" de um jornal "de referência", umas inanidades sobre as infinitas culpas (necessariamente eternas) portuguesas quanto ao que o Brasil é por estes dias e sobre a absoluta irrelevância a que deverá ser devotada a destruição metódica e indefensável de um país. Esse mesmo, a Ucrânia, e irrelevante por isso mesmo: porque "são brancos morrendo". Brancos e presume-se largamente heterossexuais (o ente em causa ergue a bandeira LGBTQIAP+; quanto "+" ainda surgirá, é - evidentemente - uma incógnita de que nem certo canal televisivo, por estes dias em incontido frémito de proselitismo da bizarria, conhecerá, é de crer, o limite).

O ente em causa, com um discurso que seria risível se não fosse absolutamente trágico, vem cá, ao latifúndio da Atalaia, em Setembro, "fazer a minha [sua] arte". Arte, então. E está tudo dito. Quanto ao ente e quanto ao anfitrião (um ente, aliás, o anfitrião, de historicamente consagrado conservadorismo de costumes; voltas da vida...). E quanto à festa no latifúndio, se depender do ente brasileiro: ódio anti-português (a imbecilidade de olhar os factos de há centenas de anos por critérios de hoje e de pretender fazer os de hoje pagar por actos de longínquos avós), racismo (negro), acrítica devoção pelos agressores, ansiada tirania das minorias.

Nada de novo, afinal.

14
Jul22

Um mero aborrecimento menor.

Costa

“a resposta não é mais meios, é mais cuidado. Com mais cuidado, há menos incêndios. A generalidade dos incêndios surge próximo das localidades, ou seja, próximo de onde estão os seres humanos”.

Palavras de hoje do primeiro-ministro da república portuguesa. Palavras de, reconheçamo-lo, impecável coerência. A responsabilidade nunca é do estado, nunca é da administração pública. Nunca, total ou parcial, imediata ou remota. A administração pública sempre fez - sempre - tudo o que lhe competia, os cidadãos é que não têm emenda. Tem sido o seu credo desde que tomou o poder e tem resultado eleitoralmente: a culpa é dos portugueses (depois, bem entendido, de Passos Coelho e de tudo aquilo que não possa ser reconduzido a Passos Coelho: que até nem será muita coisa) e valha-lhes, aos portugueses, ingratos, a imerecida acção heróica do governo que chefia. Isto é, a sua acção.

E os portugueses, manifestamente, concordam. Os portugueses gostam de ser insultados. Os cidadãos, de facto, não têm emenda. Se homem passou incólume pelo desastre de 2017 e dele recolheu uma maioria absoluta, o que se passa por estes dias é um mero aborrecimento menor.

02
Jul22

As águas de Copacabana.

Costa

Passam poucos minutos das 12:30 de hoje. A RTP 3, o canal de informação da televisão pública portuguesa, transmite em directo o mergulho de Sua Excelência o Senhor Presidente da República Portuguesa nas quase cálidas águas do Rio de Janeiro (estarão pelos 23º/24º, informa e repete o repórter que acompanha pressurosamente o evento, notando que por lá é inverno e alertando para algumas correntes que aconselham, parece, particular prudência na prática em causa).

Percebe-se o "directo": uma incursão balnear do sr. presidente é em qualquer circunstância uma matéria do mais elevado interesse nacional, justifica para lá da qualquer dúvida uma ligação em directo transatlântica (desconheço o custo da coisa, mas cá está: o superior interesse nacional mais do que justifica qualquer custo) e uma alteração ao alinhamento noticioso. Apreciados devidamente os dotes de banhista do sr. presidente e devidamente registada mais uma concretização de tão importante, para o devir pátrio, tradição de sua excelência, passa-se para a notícia seguinte. Um longo "directo" contínuo, de há já longos dias (mas que já nem suscitará, é de crer, um desvio do olhar do prato de um pacato almoço de sábado; as coisas são como são, é tudo): parece que encerraram mais uma tantas urgências de ginecologia e obstetrícia, por esse país fora.

Mas as águas de Copacabana estão apetecivelmente mornas.

01
Jul22

Infinitamente mais

Costa

Preciosa, absolutamente preciosa, a entrevista de Fátima campos Ferreira a José Rentes de Carvalho. Terá sido exibida no passado dia 20 de Junho, não sei em que canal da RTP. Em todo o caso, não correrei grande risco ao afirmá-lo, terá tido uma ínfima, absolutamente irrelevante, audiência. A ela tive acesso, por acidente, no site da RTP (rtp.pt/play/p10074/e624465/primeira-pessoa). Por uma vez, serviço público. Mais do que qualquer alegadamente "grande final" da bola. 

Infinitamente mais.

01
Jul22

É fascinante.

Costa

30 de Junho, pouco depois das 23:00. Num canal televisivo de notícias - o primeiro, por cá, a apresentar-se com essa vocação - um trio de tudólogos e seu moderador peroram na sua rotina semanal. A certo momento, a tudóloga do trio encarniça-se contra o aeroporto de Lisboa. Afirma que a tragédia já esteve à beira de se consumar inúmeras vezes , recorda que há não muitos dias um avião teve que largar combustível sobre (horror!) Mafra, invoca o facto de na British Airways o aeroporto de Lisboa estar restrito, no que à aterragem concerne, a comandantes. Diz que por duas vezes, em voos da BA, com ela a bordo (solene privilégio para a empresa, decerto), a aterragem em Lisboa foi descontinuada. Em momentos, parece, de horror "terminal".

Não sabe, a senhora (muito naturalmente: é tudóloga, afinal, pode falar de tudo sabendo de nada), que o tal avião que "largou combustível" sobre Mafra o "fez" porque o trem dianteiro não recolheu após a aterragem e era impraticável atravessar o Atlântico com o trem nessa posição: por recolher. Mas que tudo o resto operava normalmente no avião (até o trem de aterragem; grave seria se permanecesse recolhido numa aterragem...). Portanto era, digamos, conveniente, regressar ao aeroporto de partida, aí aterrar normalmente e, depois da aterragem, apurar e resolver o que se passara. Para tanto convinha - convinha, mas não era essencial - que o peso da aeronave estivesse abaixo do peso máximo certificado para a aterragem e, por isso, a necessidade de consumir, de consumir, combustível. Consumir combustível para reduzir o peso da aeronave. Consumir, não "largar". Daí as voltas sobre Mafra (o procedimento tem tecnicamente outro nome, mas aceite-se esse de andar às voltas), durante umas horas. Uma entediante maçada, uma coisa ruinosa para a companhia de aviação, uma irritação para os passageiros a perder preciosas horas de férias nas caraíbas, mas não mais do que isso. E ainda que largasse combustível, este evaporaria no ar; não chegaria ao solo. Não sobre a forma líquida e apocalíptica que o tom de horror da senhora permitia antever.

Quanto a descontinuar aproximações, é um procedimento que ocorre diariamente em todo o mundo, em todos os aeroportos, pelas mais diversas razões. Não significa necessariamente qualquer avaria no avião, nem tem a ver necessariamente com o aeroporto em que ocorre: pode acontecer e acontece em qualquer um. Grave seria se revelando-se recomendável não fosse feito. Não é, não é, uma emergência (embora possa ser a resposta inicial a uma emergência). É coisa treinada à náusea na formação inicial e recorrente de um piloto. E aeroportos ou pistas restritas à operação por pilotos-comandantes são coisa não tão rara quanto isso (entre nós veja-se, desde logo, a Madeira que não suscita por estes tempos um erguer de sobrolho, quanto mais uma expressão de horror).

É certo, sobrevoa-se Lisboa para aterrar no seu aeroporto. Está longe de ser caso único e convinha, no caso, não esquecer porquê: a cidade cresceu selvativamente sobre o aeroporto, em imparável avalanche de construção civil (não lhe chamemos, por elementar decência, "urbanismo", pois ele é gloriosamente ausente) e décadas e décadas de negociatas seguramente inconfessáveis. Antes e depois de Abril de 1974; sendo certo que os estudos para um novo aeroporto de Lisboa vêm da década de 1960 e previam a sua abertura ao tráfego em 1978 (isto previsto no anterior regime). Desde então, sabe-se lá porquê, a coisa não anda. Embora renda, parece, facturações de milhões

Mas em todo o caso, para alertar sobre o problema do aeroporto de Lisboa, alguma maior solidez argumentativa seria bem-vinda. É fascinante o mundo da tudologia.

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