Ensina-nos a república (deliberada inicial minúscula) que somos cidadãos. Cidadãos, essa expressão máxima de igualdade, de dignidade que séculos da vil condição de súbdito - esse horror monárquico -, ensina-nos, negaram. Cidadãos, desde esse momento alto de civilização, civilidade e respeito por um "due process" que foi a revolução francesa (e vou mantendo as iniciais minúsculas).
E um tipo conforma-se, tende a aceitar a coisa como boa, prefere até não pensar muito (não vá a sua consciência incomodá-lo insuportavelmente), aceita essa espécie de verdade. Habitua-se, vive com ela, enfim. Mesmo sabendo que o Leviatã não é exactamente, e usando de eufemismo, pessoa de bem.
Depois lá vem a cartinha das finanças. Uma cartinha das finanças na caixa do correio é o suficiente para desencadear sério fenómeno de arritmia (ou coisa afim: de médico só tenho o que têm os loucos). Um cidadão, digamos, comum, nunca está certo de estar em dia com os seus impostos, taxas e restantes obrigações fiscais. Nem que apenas declarativas. E sabendo-se que nem a presunção de inocência, esse sagrado - e seguramente republicano - princípio, se aplica perante o fisco e que, mesmo estando "coberto" de razão, aí impera o solve et repete, o acto de "destacar pelo picotado" toma uma eternidade. Ao longo da qual a hipótese da ruína nos surge especialmente provável.
Mas não era de ruína, o caso. Apenas o corolário de um pequeno episódio burocrático perfeitamente desproporcionado face ao também pequeno valor em causa (valor que o cidadão pretendia auferir em perfeita legalidade e que afinal - e em regras de elementar racionalidade gestionária, dessas que o leviatã manda reiteradamente às urtigas - acaba por não compensar o trabalho do cidadão para tanto; o do cidadão e o do leviatã. Mas esse tem batalhões de gente para tal efeito e convém ao menos dar-lhes um simulacro de utilidade).
E lá estava na cartinha, na cartinha deste tão republicano fisco, operado por cidadãos e decerto ao serviço de cidadãos, o cidadão identificado - diga-se que sem surpresa, pois tal fórmula lhe é academicamente conhecida de há muito e por ela está de há ainda mais tempo habituado a ser tratado - como "sujeito passivo".
Sujeito passivo.
Viva a república!